Teatro de grupo
Ontem fui ver o fascinante exercício cênico "complexo sistema de enfraquecimento da sensibilidade", texto e direção de ruy filho no satyros 2. ao sair do teatro, me dei conta de que em poucos dias vi dois trabalhos de grupo, processos, exercícios mesmo, ambos muito diferentes entre si e muito bons. no domingo, fui assistir a um maravilhoso "não espetáculo", uma leitura que na verdade é um espetáculo. seu nome é "história de amor - últimos capítulos", de jean-luc lagarce, com direção do antônio araújo e no elenco três senhores atores do vertigem, roberto audio, luciana schwinden e sérgio siviero. texto inteligentíssimo, montagem e atuações idem. o vertigem, por falar, está inaugurando espaço seu na r. 13 de maio. finalmente e em boa hora.e ontem, depois de um importante ensaio da "velha" com chico ribas, fui ao satyros 2 ver o "complexo sistema", com o pessoal do antro exposto, guilherme gorski e diego torraca comandando o elenco. ruy desenhou uma proposta de montagem visceral, violenta, suja e bela. "complexo sistema" e "história de amor" são duas criações totalmente diversas, uma de trupe veterana, que tem década e tanto na estrada, e que envereda por novos territórios cênicos. outra de um povinho novo que está começando agora. mas são ambos projetos radicais, que estabelecem caminhos de trabalho, rumos de experimentação, sobre os quais voltarei a escrever. estou saindo pro ensaio. só queria registrar que num espaço de quatro dias vi dois espetáculos que envolvem, atraem, pesquisam e fazem pensar. não é pouca coisa.
Ainda sobre "história de amor" e "complexo sistema”
Os dois espetáculos ainda estão rondando na minha cabeça. agora por conta das dramaturgias. em "história de amor" o texto de jean-luc lagarce desconstrói as estruturas instaurando a narrativa dramática, e não o drama, como foco da ação. isso obriga o espetáculo a se estruturar enquanto jogo entre personagens e atores, e estes oscilam entre dar vida ou descrever as ações dessas personagens. há uma diferença enorme entre uma coisa e outra. a modernidade da dramaturgia de lagarce fez com que antonio araújo e seus atores poderosos buscassem o máximo de simplicidade na encenação da história de um trio de amantes que convivem harmoniosa e prazerosamente por um tempo, antes de se separarem de forma dolorida. esse despojamento foi atingido, mas ainda assim, tanto na extrema sutileza dos atores quanto na requintada encenação de tó araújo, há a marca registrada do teatro da vertigem, uma companhia que, em tudo que faz, desde as grandes superproduções, como "apocalipse, 1,11" até exercícios de intimismo total, como "história de amor", busca sempre a verdade. não a verdade do realismo, que é limitada, mas a verdade do ato teatral.
"complexo sistema de enfraquecimento da sensibilidade", por sua vez, propõe um jogo interessantíssimo entre o roteiro fragmentário, descosturado, apocalíptico, de ruy filho, e a soberba partitura musical composta pelo artista norte-americano patrick grant, que veio ao brasil especialmente para realizar esse trabalho. artista de ponta nos eua, autor de trilhas para cinema, e teatro, compositor da música de espetáculos de gerald thomas, entre muitos outros, grant foi absurda e estupidamente ignorado pela imprensa durante sua passagem pelo brasil, para fazer a trilha sonora de "complexo sistema". essa é a cara da imprensa cultural local. aonde chegamos! o trabalho de grant é estupendo. já o conhecia pelas contribuições poderosas a "terra em trânsito" e "rainha mentira". em "complexo sistema" ele estabelece um diálogo ininterrupto com as palavras e as ações, leva a níveis de extrema intensidade o jogo arriscado que os atores de ruy filho enfrentam. o diálogo entre a música e as construções sonoras de grant, de um lado, e o desfile de situações repressivas e violentas concebido por ruy, de outro, não poderia ser mais contundente. aqui, roteiro, texto e trilha sonora compõe de modo uníssono e indestrinçável a dramaturgia do espetáculo. o resultado é forte.
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