Alguém sabe me dizer o que é um ANTRO EXPOSTO?
Já conheci muito nego louco, mas igual a um sujeito chamado Ruy Filho, nunca. Eu acho. Quem em perfeita lucidez colocaria o nome de uma companhia de teatro de ANTRO EXPOSTO? Que porra é essa? Encontro muito com os caras, mas nunca tive as manhas de lembrar de perguntar o significado disto.
O pior ainda está por vir.
O cara tem seguidores.
Não sei quem é mais louco. Os malucos que o segue, ou ele.
Mas uma coisa é inegável, inquestionável e indiscutível. Desde que fundaram esse grupo, eles tem feito muito barulho na cena teatral paulistana. Montando peças e outros eventos como performances etc com nomes tão estranhos quanto o do grupo e com o mínimo de apoio.
ENTULHO, COMPLEXO SISTEMA DE ENFRAQUECIMENTO DA SENSIBILIDADE, agora EMVÃO e outras.
E todo esse prólogo pra poder falar desta última peça que citei. EMVÃO. Estreou semana passada, lá no espaço onde ocupam há mais ou menos dois anos, se não me engano. O elegantíssimo Centro Cultural Rio Verde, localizado na Vila Madalena, mais precisamente na Rua Belmiro Braga.
Antes de continuar preciso deixar uma coisa bem clara. Sou ator, como todos sabem e vou muito ao teatro, mas sou um sujeito um tanto burro, duro pra entender o que quer que seja. Uma piada, se eu não tiver quinze minutos pra refletir sobre, não a entendo, ou seja demoro ao menos 15 minutos pra gargalhar, se for interessante, é claro. Agora imaginem com filmes e peças mais complexas.
O trabalho anterior do grupo “Complexo...” tive que assistir duas vezes pra começar a entender alguma coisa. Assisti a primeira vez e sai doidão, transtornado e não sabia o porquê. Fiquei inquieto durante muito tempo até ter coragem de ir rever pra conseguir juntar uns cacos. Ai sim. Mas foi só depois de ter visto EMVÃO que fui entender que o que menos interessa no trabalho dessa rapaziada é entender algo. Como o próprio nome diz, “emvão”, tudo o que precisamos entender está nos vãos, nas entrelinhas. É isso? rs... E a peça te pega por uma outra via. Como as outras também me pegaram. Vixe, espero não estar endoidando de novo.
Confesso que não sou muito chegado em teatro físico, abstrato etc. Não sei se o teatro dessa rapaziada é isso, mas é foda. De tirar o fôlego. Vendo aquilo tive vontade de chorar por uma infância que jamais vou reencontrar, vontade de me atirar lá no meio daquele monte de botões e brincar com a rapaziada, como se fosse ali o poço da salvação, a recordação de belos dias que tive em cima de bikes detonadas quando moleque, sob fortes chuvas de granizo. Vontade de ficar sentado ali até começar a próxima sessão.
Pela primeira vez na vida, o trabalho corporal numa peça não me incomodou. Porque não tem nada sobrando e não é uma tentativa de demonstrar algo, oco, na maioria das vezes, mas é crucial a tudo aquilo. Tudo na peça ta bem encaixado. Pra entendermos melhor. A peça é de tirar o fôlego, como já disse, não é possível piscar e quase não se consegue respirar, porque ela te prende do começo até a hora em que deitamos na cama pra começar a sonhar.
A partir de então fica mais fácil entender porque acho todos eles muito loucos. Quando ouço o Ruy contando algumas idéias, acho todas quase impossíveis de serem realizadas e depois de um tempo o cara a realiza e o melhor, sem grana nenhuma, só com a ajuda e o trabalho árduo de toda a rapaziada. Quando me contou que ia construir um labirinto de plástico bolha, em plena praça Roosevelt pra dar uma prévia de Hamlet, achei absurdo. Dias depois lá estava eu e a diva perdidos dentro daquilo. Eles saem no peito, atrás de alguns apoiadores. Ficam sem dormir etc e conseguem realizar tudo ao que se propõem.
É, meus amigos, ainda existem pessoas com esta disposição toda, porque felizmente ainda acreditam nessa utopia que é a arte, acreditam em mudanças e o caralho a quatro. E com essa dureza toda conseguem realizar um trabalho de uma honestidade sem tamanho e uma das coisas mais interessantes pra se ver aqui em São Paulo. E a pergunta que não se cala. Até quando trabalhos e grupos como estes vão ter que passar por esse perrengue todo? Nada contra os teatrões que tem todos os patrocinadores, leis etc, mas... deixa pra lá e seguimos adiante.
O maluco do Ruy. Opa, antes de mais nada, o Ruy é um sujeito que admiro e meu amigo também. Uma madruga o abordei de sopetão na rua Cardeal Arcoverde e o convidei pra dirigir o monólogo que faço e ele muito lúcido aceitou. Que medo, confesso. Mas voltando ao que interessa. Ruy deve ter levado lá pro espaço as lâmpadas dos abajures da sua casa e fez uma iluminação sensacional. Podem acreditar. Conseguiu um brasileiro agringalhado pra compor a trilha, e que trilha! E arrumou um quarteto de cordas pra executa-la ao vivo. Os músicos são exímios e respiram o tempo todo com os atores, contribuindo pra nos deixar pasmados. Tudo isso, não sei como, mas com certeza toparam por acreditarem muito no projeto.
O figurino é magnífico. A peça tem um classicismo que sinceramente nunca vi nada mais interessante no teatro brasileiro. Estou comparando às diversas montagens que já vi de Tchecov, Shakespeare, Ibsen etc e afirmo categoricamente que nenhuma conseguiu essa sutileza clássica. O elenco sempre surpreendente. O brother Tiago mostrou que chegou pra ficar, foi muito além das piruetas que se propôs a dar. Vê-se um grande ator. Guilherme sempre destruidor. Excelente! Raiani, encantadora. A cada trabalho mais madura e o Diego, ahhhhh, nem tenho o que falar e nem preciso.
Enfim.
Pra finalizar, só mais duas coisas. Não percam nem fodendo esse trabalho e como é bonito o sol de fim de tarde aqui na rua de casa. E o que o cu tem a ver com as calças? Eu não sei. Segue o serviço. No flyer acima. Todas as terças às 21h.
Ah, como admiro gente louca. O mundo realmente precisa de mais malucos como estes pra nos presentear com grandes obras toda a vida. Ai sim vejo esperança. Matem-a.
(+ sobre paulinho faria>> blog opankada)
todos
Há 10 anos
Um comentário:
texto lúcido, sem rodeios e verdadeiro (afirmo isso depois de ter visto a peça)
assino embaixo!
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