6.26.2010

EMVÃO - de volta em cartaz em Julho

(textos do programa)

"Ao olharmos para além de nós, o que encontraremos são infinitos círculos de pertencimentos sociais, culturais, políticos, estéticos, econômicos, maiores, minúsculos, explícitos ou tímidos. De alguma maneira, o homem tem se desenhado por suas escolhas. Mas se todo pertencimento pressupõe localizações, há, ainda, o margeamento como conseqüência. Margens são espaços indefinidos que definem os lados que as constroem, vãos entre algo, existências invisíveis, presenças despercebidas. São também cicatrizes que maculam a unidade, para dela subtraírem suas próprias identidades independentes ao todo. Do lado de dentro daquilo que nada parece ser, está a complexidade de um sentido restrito multiplicado em potência de outro existir, fugidio à realidade concreta da dualidade provida pela divisão do uno. Um existir em si. Feito poesia, valor próprio de tempo e lugar, cujo sentido mais amplo encontra-se na ausência dialética do servir, na impotência em responder. Ou, simplesmente, no não querer responder a algo. E se cabe ao observável de uma margem, ao seu contorno, uma função clara de sua existência, aquilo que a integra limita-se a ser sem qualquer contexto e fim, em vão. Daí, de novo, a poesia. Não a da palavra riscada, pois esta tem também o limite da forma da linguagem. Mas a maiúscula, surgida em ausência de porquês, em lapsos de motivos, feita margem de existência e sobrevivência ao não pertencer. Optamos, então, por não pertencermos às funções próprias do fazer, ao trabalho determinado, às certezas de uma criação controlada previamente. Por isso EMVÃO tornou-se nosso primeiro processo colaborativo. Do texto à cena, da concepção ao desenvolvimento do processo. Grata surpresa de tantos talentos escondidos pelo pragmatismo da rotina, trazendo palavras, contextos, definições e expiações sobre o lugar que habitamos ao escolhermos ser quem somos. E quem somos? Não há definições ao que ainda não se concluiu. Não pertencemos se não a nós mesmos, ao risco de existirmos em vão, a ausência de localizações que nos afunda a uma contemporaneidade indecifrável em uma espécie de vão moral e histórico, enquanto descobrimos as faces que recombinadas trazem de volta a unidade. EMVÃO surge convite para que outros adentrem a margem. Daqui, vocês são vocês outros. Chega a ser divertido olhar..."
ruy filho

"Pousamos nossos olhos sobre um objeto. Sua sombra se derramava pesada por cima de um outro, que, por sua vez, oprimido pela gravidade, só podia se sustentar e dar sustento a partir da sustentação de um terceiro objeto. Estas três coisas se desenhavam daquela forma no espaço por conta da dependência mútua de que partilhavam. Nossos olhares ainda ingênuos lhes atribuíam um simples significado, mas as nossas mãos atrevidas alargaram suas identidades no mundo borrando as suas formas, desfazendo os seus limites, reinventando suas medidas e pesos. Nos lambuzamos de liberdade ao dar fôlego ao que é irresponsável. Fizemos de nós objeto ousado, que invade um buraco que não lhe pertence, que desliza numa ranhura apertada, que se entreva num arabesco tortuoso. Nós-objeto fomos além, e saltamos em voo incerto no abismo, desintegramos a nossa estrutura maciça e rígida, e planamos desenganados pelo tempo e espaço. Enfim, nós roçávamos os calcanhares da poesia."
diego torraca

"O quarteto de cordas, talvez a mais clássica das formações de música câmara, é ainda um poderoso meio de expressão dentro da música atual. As múltiplas possibilidades dos instrumentos, tanto como solistas quanto combinados, podem criar os mais inesperados efeitos dramáticos. Foi com essa idéia, que aceitei entusiasticamente o convite do Ruy Filho para escrever a música do seu trabalho teatral Emvão. Sempre quis escrever uma música incidental utilizando o quarteto de cordas. Qual não foi a minha surpresa quando assisti ao ensaio do grupo e percebi que o trabalho seguia a linha de um teatro experimental com textos de Haroldo de Campos, entre outros, fugindo de uma narrativa linear convencional. Fui tomado por grande emoção e muitas idéias. Trabalhei com o Haroldo e fiz uma obra musical, nos anos 90, sobre um grande poema de sua autoria, “Finismundo”. Sempre senti muita afinidade com esse universo da experimentação sonora das palavras e principalmente, do discurso labiríntico, quase barroco, que freqüentemente uso na minha música. A música para Emvão é intimista, não onipresente e dialoga com os ruídos produzidos pelos atores em cena, assim como comenta aspectos dramáticos que oscilam entre a agressividade extrema e ao deboche profundamente sarcástico. A maior parte da obra foi escrita na ilha de Gotland, na Suécia, onde viveu Ingmar Bergman, durante o mês de janeiro, sob um rigorosíssimo inverno e concluída em Curitiba. Essa vivência me permitiu mergulhar no mundo complexo e misterioso de Emvão."
harry crowl

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